Monday, 27 February 2012



Butelo à transmontana é o prato da moda

Os telejornais portugueses valem muito a pena. No fundo, são programas de variedades com espaço para a notícia séria, para o insólito e para o divertido. São informativos e também capazes de provocar um sorriso alegre e enternecedor.

Há poucos dias foi notícia nacional a apresentação oficial da confraria do butelo e da casula do concelho de Bragança. Ora, ao contrário do que se poderia imaginar, esta é uma notícia de âmbito global.

Levado por uma abordagem superficial arrisquei dizer que se tratava de uma notícia muito acessória e até provinciana. No entanto, fazendo um esforço para ler nas entrelinhas e para explorar o que ficou por dizer logo verifiquei – justiça seja feita ao jornalismo nacional – que do fabuloso butelo à transmontana se pode chegar muito longe.

Em latim a palavra para o que nós chamamos enchidos é o botulus (tão parecido com butelo e daí os espanhóis usarem a palavra embutidos para os enchidos). Para nós, gente de grande alcance, um chouriço é um chouriço, uma morcela é uma morcela, uma alheira é uma alheira e não me querendo alongar muito mais, o que interessa é que nós entendemos a importância e o carácter singulares que cada tipo de enchido merece. A tanto nos permite o nosso elevadíssimo QI e requintado bom gosto.

Acontece, porém, que há nações bárbaras e com dinheiro que insistem em simplificar o tema e em chamar a tudo isto salsicha (sausage). Não estando nos antípodas do nosso enchido, também não estará a dois passos dele e, para além disso, tem maior relação com o facto de ser algo salgado (salsica, salcicus ou seja preparado com sal).

Estas mesmas mentes pouco preparadas e experimentadas terão ganho uma certa inclinação para desconfiar da carne usada para os enchidos ou para as salsichas. Más línguas terão mesmo espalhado a ideia de que até carne de cão seria utilizada e esta mania descabida resultou nos famosos hot-dogs americanos.

Na verdade, a qualidade da carne usada e a forma de cozinhar os enchidos ou as salsichas nem sempre terão sido as melhores e no século XIX o médico alemão Justinus Kerner investigando a morte de alguns dos seus pacientes após ingestão de salsichas, descobriu que tal se devia a algo venenoso e decidiu chamar ao veneno botulinum toxin, mais tarde a bactéria foi identificada e denomindada Clostridium botulinum e daí se chegou ao botulismo.

Mas ainda há mais: essencialmente, o botulismo conduz à paralisia gradual do corpo até paralisar o coração da pessoa e resultar numa morte bastante desagradável.

Parece que já estou a adivinhar... ora, se pudessemos injectar uma pequena dose da toxina botúlica na face ou em outras partes do corpo, digamos que, por exemplo, para controlar ou paralisar espamos, isso poderia até contribuir para uma aparência mais jovem ainda que algo esquisita... e assim nasce o botox.
Tudo isto estava implícito na notícia acerca da confraria do butelo e pensando melhor era até bastante óbvio. Só não vê quem não quer ver.

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