Butelo à transmontana é o prato da moda
Os telejornais portugueses
valem muito a pena. No fundo, são programas de variedades com espaço para a
notícia séria, para o insólito e para o divertido. São informativos e também capazes
de provocar um sorriso alegre e enternecedor.
Há poucos dias foi
notícia nacional a apresentação oficial da confraria do butelo e da casula do
concelho de Bragança. Ora, ao contrário do que se poderia imaginar, esta é uma
notícia de âmbito global.
Levado por uma
abordagem superficial arrisquei dizer que se tratava de uma notícia muito
acessória e até provinciana. No entanto, fazendo um esforço para ler nas
entrelinhas e para explorar o que ficou por dizer logo verifiquei – justiça seja
feita ao jornalismo nacional – que do fabuloso butelo à transmontana se pode
chegar muito longe.
Em latim a
palavra para o que nós chamamos enchidos é o botulus (tão parecido com butelo e daí os espanhóis usarem a
palavra embutidos para os enchidos). Para nós, gente de grande alcance, um
chouriço é um chouriço, uma morcela é uma morcela, uma alheira é uma alheira e
não me querendo alongar muito mais, o que interessa é que nós entendemos a importância e o carácter singulares que cada
tipo de enchido merece. A tanto nos permite o nosso elevadíssimo QI e
requintado bom gosto.
Acontece, porém,
que há nações bárbaras e com dinheiro que insistem em simplificar o tema e em chamar
a tudo isto salsicha (sausage). Não estando nos antípodas do nosso enchido,
também não estará a dois passos dele e, para além disso, tem maior relação com
o facto de ser algo salgado (salsica,
salcicus ou seja preparado com sal).
Estas mesmas
mentes pouco preparadas e experimentadas terão ganho uma certa inclinação para
desconfiar da carne usada para os enchidos ou para as salsichas. Más
línguas terão mesmo espalhado a ideia de que até carne de cão seria utilizada e
esta mania descabida resultou nos famosos
hot-dogs americanos.
Na verdade, a
qualidade da carne usada e a forma de cozinhar os enchidos ou as salsichas nem
sempre terão sido as melhores e no século XIX o médico alemão Justinus Kerner
investigando a morte de alguns dos seus pacientes após ingestão de salsichas,
descobriu que tal se devia a algo venenoso e decidiu chamar ao veneno botulinum toxin, mais tarde a bactéria
foi identificada e denomindada Clostridium
botulinum e daí se chegou ao botulismo.
Mas ainda há mais:
essencialmente, o botulismo conduz à
paralisia gradual do corpo até paralisar o coração da pessoa e resultar numa morte
bastante desagradável.
Parece que já
estou a adivinhar... ora, se pudessemos injectar uma pequena dose da toxina botúlica na face ou em outras partes do
corpo, digamos que, por exemplo, para controlar ou paralisar espamos, isso poderia
até contribuir para uma aparência mais jovem ainda que algo esquisita... e assim nasce o botox.
Tudo isto estava
implícito na notícia acerca da confraria do butelo e pensando melhor era até
bastante óbvio. Só não vê quem não quer ver.
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